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Arquivo - Quinta-feira, 13 de abril de 2006 |
A VOCAÇÃO QUE NOS FOI IMPOSTA
Por que o destino brasileiro é o agronegócio? |
O Brasil tem vocação agrícola. Essa tese é vendida aos brasileiros desde antes da existência do Brasil como nação. Quando o País era colônia, em 1703, Portugal assinou com a Inglaterra o Tratado de Methuen que estabeleceu, em caráter perpétuo, a troca de tecidos ingleses por vinhos portugueses, com taxas alfandegárias favorecidas e que praticamente proibiu tanto a industrialização de Portugal como a de suas colônias. A produção de tecidos em teares mecanizados, movidos, primeiro, a energia hidráulica e, depois, por máquinas a vapor, foi uma das atividades essenciais do processo que levou a Inglaterra a tomar a dianteira das nações na segunda metade do século 18. Mas quando, na região de Ouro Preto, em Minas Gerais, em fins daquele século, começou a se desenvolver uma promissora indústria de tecidos, a rainha de Portugal, dona Maria, em função dos compromissos que seu país tinha com os ingleses, mandou fechar a fábrica e confiscar suas máquinas. A agricultura era a atividade própria para os brasileiros, se dizia então.
A tese da vocação agrícola do Brasil foi fortalecida com a teoria das vantagens comparativas formulada pelo inglês David Ricardo, no começo do século 19. Ricardo, junto com Adam Smith e Karl Marx, é fundador da chamada economia política clássica. Ele dizia que os países deveriam se especializar na produção de mercadorias nas quais, por razões geográficas, econômicas e sociais, conseguissem obter os melhores resultados. Se cada nação fizesse assim, a produtividade global se elevaria. E, por meio do comércio internacional, todos os povos do mundo e todas as classes sociais se beneficiariam. A teoria de Ricardo serviu, na época, a três interesses: 1) para justificar a divisão de trabalho internacional existente; 2) para defender o tipo de livre comércio que os industriais ingleses promoviam pelo mundo; e 3) para esconder as questões nacionais e das classes sociais envolvidas nos gigantescos conflitos de então.
Na verdade, a especialização das áreas colonizadas na produção de alimentos e matérias primas agrícolas a serem exportados não tem nada de racional: foi imposta pelas potências coloniais graças à destruição dos modos de produção das sociedades existentes nesses locais. O Brasil não se transformou num eficiente produtor agrícola mundial, não destruiu a Mata Atlântica e transformou a área do Nordeste em extensos canaviais e a área do Sudeste em imensos cafezais porque quis tirar proveito de uma divisão internacional do trabalho racional e lógica.
O comércio de meados do século 15 ao final do século 19 nada teve de livre. A força de trabalho nessa época foi, primeiro, basicamente trabalho escravo: mais de 10 milhões de negros foram retirados da África a força e transportados em condições dantescas para trabalhar nas grandes plantações das colônias européias no Novo Mundo. E a exploração do trabalho assalariado se fazia também em condições brutais. Na Inglaterra, onde o capitalismo se desenvolveu aceleradamente a partir da segunda metade do século 18, os trabalhadores livres que passaram a ser a mão-de-obra básica só tiveram aprovada pelo Parlamento a jornada de 10 horas diárias no final do século 19. Mesmo assim, após a independência do Brasil, a nova classe dominante local, formada pelos barões do café consagrou a teoria da vocação agrícola do País.
Quando, entre 1844 e 1857, o governo do imperador Pedro I elevou as taxas de importação de cerca de 3 mil produtos, fato que criou certa proteção para as atividades industriais locais, os principais críticos da medida não foram os ingleses, em cuja órbita o Brasil ainda circulava; foram os chamados liberais brasileiros, cujas idéias expressavam os interesses dos grandes proprietários de terra e negociantes do comércio de exportações e importações. Um desses liberais, o deputado alagoano Tavares Bastos, declarou que as fábricas no País eram um acidente: a agricultura é a verdadeira indústria nacional, disse ele. Por que essa teoria persiste até hoje?
O tema de capa do fascículo 8 da nova coleção do Retrato do Brasil investiga essa história. Por que, a despeito de o País ter perdido a corrida para se aproveitar do crescimento espetacular do mercado mundial nos últimos anos, ainda se insiste na tese de que o nosso grande trunfo global é o agronegócio?
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