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    Arquivo - Sexta-feira, 14 de outubro de 2005
O futuro do PT

NOVOS MÉTODOS, NOVA POLÍTICA
O PT ainda é o partido que mais aglutina os velhos militantes das lutas democráticas e populares dos anos 1970-1980, que esperavam encontrar nele o instrumento para realizar uma democratização avançada do Brasil – que não apenas pusesse fim ao Regime Militar, mas, além disso, promovesse reformas profundas que eliminassem estruturas seculares que o tornam um dos países mais injustos do mundo. A partir de 1989, o PT foi o partido do candidato a presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que representava a possibilidade de efetivar essas mudanças. O partido cresceu nessa expectativa: chegou a 826.275 filiados em 2005; no campo da esquerda, é um feito que só se compara ao do Partido Comunista do Brasil, logo após a Segunda Guerra Mundial, quando, no curto período de sua existência legal, de 1945 a 1947, numa população de menos de 50 milhões, o PCB chegou a ter 200.000 filiados.

O processo das eleições internas do PT neste ano é uma prova de sua vitalidade. O partido foi submetido, nas semanas ao longo do pleito, a uma das mais violentas campanhas de difamação de que se tem notícia na história da política brasileira; alguns de seus principais dirigentes foram apontados, injustamente, como chefes de quadrilha – assaltantes do dinheiro público. E, mesmo assim, a militância compareceu amplamente às urnas: no primeiro turno votaram 314.926, quase 40% do filiados, em todos os Estados, em 4.627 cidades – mais de 80% dos municípios brasileiros; no segundo turno, com a disputa para presidente nacional e dos presidentes e de oito diretórios regionais, o comparecimento também foi expressivo – no geral, em torno de 30% dos filiados, em mais de 3300 cidades. Os resultados eleitorais apontam para algumas mudanças; elas, no entanto, não parecem indicar alterações substanciais no rumo que vem sendo seguido pelo partido.

O PT, como se sabe, é um partido de facções, uma frente de personalidades e de correntes políticas. Disputaram a presidência e o diretório nacional 7 nomes e 10 chapas. Nos Estados e nos municípios, essa divisão se multiplicou porque os candidatos e as chapas não eram necessariamente ligados a correntes nacionais ou estaduais e representavam muitas vezes interesses locais. Os nomes de muitas chapas já sugerem essas limitações: é o caso, por exemplo, da Eduardo Suplicy, um homem do qual temos orgulho, que concorreu ao diretório municipal de Ribeirão Preto; e o da Brigadianos de Luta, que concorreu ao diretório municipal de Porto Alegre.

Na grande disputa nacional, o Campo Majoritário – um aglomerado onde estão as principais figuras do partido, como o presidente Lula, o ministro Palocci, o ex-ministro José Dirceu, a ex-prefeita Marta Suplicy – perdeu força, mas continua sendo praticamente majoritário: caiu de perto de 60% dos votos para perto de 50%. Ricardo Berzoini, o indicado à presidência pela chapa do Campo Construindo o Novo Brasil, ganhou com perto de 52% dos votos válidos o segundo turno das eleições. Berzoini foi apoiado, já no primeiro turno, por um curioso “grupo de militantes do sertão cearense”, que formou a chapa O Brasil Agarra Você, que teve 0,9% dos votos e também é do Campo. Uma terceira chapa, com o nome de Socialismo e Democracia, formada pelos militantes do chamado PT de Luta e de Massas, também do Campo e igualmente sem candidato a presidente, ficou com 5,8% dos votos. É ligada à prefeita Marta Suplicy – na sua composição estão cinco dos irmãos Tatto, do PT da Zona Sul de São Paulo, um dos mais fortes zonais do partido. Marta tem defendido apoio integral à orientação econômica do governo, uma das principais questões em disputa nas eleições. A organização dessa chapa à parte responde mais a questões regionais, paulistas – à escolha do candidato do partido ao governo do Estado, se Marta ou o senador Aloízio Mercadante – do que a divergências nacionais. A chapa apoiou para presidente no primeiro turno, Valter Pomar, da corrente Articulação de Esquerda. Mas ficou com Berzoini no segundo turno e pode garantir a Berzoini 48,6% dos votos do diretório.

A esquerda do partido, no segundo turno da disputa pela presidência se uniu em torno de Raul Pont, da Democracia Socialista, que organizou a chapa Coragem de Mudar: Participação Popular e Socialismo. Pont teve o apoio de Pomar. Mas sua posição tornou-se mais frágil porque a Ação Popular Socialista, uma das facções que apoiou Plínio de Arruda Sampaio, o outro candidato da esquerda para presidente, abandonou o partido. Saíram Plínio, os deputados federais Ivan Valente (SP), Chico Alencar (RJ), Maninha (DF), mais um bloco de deputados estaduais e vereadores e centenas de militantes. Deve-se destacar que o grupo liderado por Plínio saiu, ao invés de apoiar o bloco Pont-Pomar, porque os dois defendem uma posição ambígua em relação ao governo: dizem que a política econômica tem que mudar, mas insistem na necessidade de apoiar a reeleição de Lula. Como nada indica que Lula vá mudar sua política econômica para disputar um segundo mandato, a saída da Democracia Socialista e da Articulação de Esquerda foi sustentar que o PT adotasse uma posição de autonomia em relação ao governo. O que é quase o mesmo que dizer que o partido deveria se dispor a reeleger Lula mesmo que não pudesse mandar naquilo que é a política central do governo.

Com a vitória, Berzoini deve comandar a continuidade da marcha conciliadora do PT iniciada no seu Congresso de 1999. Então, o comando do partido, nas mãos do Campo Majoritário, tirou o PT do movimento “Fora FHC”, que ameaçava o governo de Fernando Henrique Cardoso com grandes mobilizações populares, como foi a marcha dos 100 mil a Brasília naquele ano. O PT passou, então, a buscar o poder por via da conciliação e dos métodos modernos de marketing e propaganda política. Os gastos eleitorais do partido nas campanhas presidenciais, quando comparados com os dos concorrentes, dão uma idéia dessa mudança: Lula gastou por volta de R$ 3 milhões na campanha de 1989, R$ 10 milhões na de 1994, R$ 3,0 milhões na de 1998 e R$ 33 milhões em 2002. Fernando Collor de Mello gastou uma fortuna imensa em 1989, Fernando Henrique Cardoso, R$ 121 milhões em 1994 e R$ 73 milhões em 1998; e Serra R$ 28,5 milhões em 2002. Todos os gastos são do chamado caixa-1; desde 1994, são os contabilizados pela Justiça Eleitoral. Para incluir o caixa-2, como os R$ 56 milhões do esquema Marcos Valério-Delúbio Soares, é preciso multiplicar os gastos por um fator três, pelo menos, tanto para o PT como para os outros partidos. No caso de Collor, a Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional, que acabou levando a seu impeachment, calculou que ele arrecadou clandestinamente, entre sua campanha de 1989 e os preparativos para as eleições posteriores, US$ 260 milhões – em dinheiro de hoje, cerca de R$ 620 milhões.

A mudança de método para chegar ao poder correspondeu a uma mudança de posição política: além de abandonar em bloco qualquer referência a transformações de cunho socialista, o Campo Majoritário acabou apoiando na prática a manutenção da política de desenvolvimento anterior. De início, dentro do Campo, uns apoiavam esse rumo por convicção e outros porque ele seria transitório. O ex-chefe da Casa Civil e ex-todo poderoso no partido José Dirceu, ficou nesse bloco dos que acreditavam em mudanças depois. Nesse sentido, o escândalo do chamado mensalão, que o derrubou do governo e pode cassar seu mandato, pode servir bem ao propósito de expurgar do comando do PT os que, como diria o senador Jorge Bornhausen, podem ser qualificados na raça dos esquerdistas.

No Campo Majoritário deve crescer a ala dos que defendem uma aproximação com o PSDB, para uma espécie de condomínio sobre a política do País num modelo partidário, sonhado por muitos conservadores, no qual PT e PSDB se revezariam no comando. Dentro do PT existiam lideranças destacadas que pensavam de modo semelhante – como o senador Cristóvam Buarque, que agora está no PDT; e ainda hoje existem, como o governador do Acre, Jorge Viana, e o chefe da Secretaria de Planejamento Estratégico do governo, Luiz Gushiken. De certo modo, o presidente Lula já disse isso algumas vezes: numa delas, afirmou que ele e Fernando Henrique Cardoso são algo como Ronaldo e Ronaldinho, uma dupla que pode jogar junto na seleção ou brilhar em times diferentes, mas sempre, digamos assim, para a glória do Brasil. E assim, com FHC e Lula na frente e Palocci e Pedro Malan no meio de campo, estaria tudo dominado. Como teoria, está perfeito. Na prática, como se sabe, é outra a história.


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