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Arquivo - Quinta-feira, 10 de março de 2005 |
As mortes das crianças índias no Mato Grosso do Sul
A CAUSA ESTRUTURAL É FALTA DE TERRA |
A manchete de O Estado de S. Paulo, publicada nesta quinta-feira, é bem clara: "Cresce o número de crianças mortas em 13 regiões". Trata-se de reportagem de Lisandra Paraguassú, segundo a qual "a mortalidade indígena aumentou em 13 dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (...) do país entre 2003 e 2004, apesar de, na média nacional, os números estarem caindo desde 2002".
Na mesma reportagem, entretanto, o ministro da Saúde, Humberto Costa, afirma que "as mortes estão dentro dos números que normalmente acontecem". Como explicar esse paradoxo? O presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), Mércio Pereira Gomes, 34 anos, já havia dito, em entrevista publicada no último domingo pela Folha de S. Paulo, que a população indígena no país cresceu nos últimos 50 anos de 120 mil para 450 mil. Entre os fatores apontados por Gomes estão maiores cuidados de saúde e a diminuição da mortalidade infantil.
O problema que está por trás das mortes por desnutrição de crianças indígenas que, aliás, já vêm acontecendo há anos é, segundo Gomes, estrutural. Ele explica: enquanto aumenta rapidamente a população indígena, não tem aumentado a área dos territórios a ela reservados, de modo que há cada vez maior pressão da população sobre os mesmos recursos, cada dia mais escassos, de suas terras. Basta dizer que, em Mato Grosso do Sul, vivem 12 mil índios em 3.500 hectares, quando, "se fosse um acampamento do MST, só caberiam mil pessoas".
Quando as reservas foram demarcadas, há décadas, se imaginava que os índios eram uma população residual em vias de extinção, de modo que não necessitavam de muitas terras. Aconteceu no entanto, que a população indígena cresceu exponencialmente e extrapolou os recursos já escassos de seus pequenos territórios. Além disso, parte dessas terras, já escassas, estão arrendadas pelos índios para o plantio de soja. O avanço da soja na região causa outros problemas: a contaminação por agrotóxicos, por exemplo, segundo Gomes.
Em outro artigo publicadom no último domingo pela Folha, o antropólogo Antonio Carlos de Souza Lima, coordenador do Laboratório de Pesquisas em Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento, do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, disse que de vez em quando a imprensa "resolve ver as coisas e aí o que tenho visto é uma demonização dos hábitos indígenas". É "como se os índios fossem responsáveis pelas suas próprias mortes", disse. Para ele, a questão é que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem política indigenista. "Como não teve no governo FHC", disse.
Acentua Souza Lima: "No caso do Mato Grosso do Sul e do Nordeste, a questão da terra é gravíssima e não está resolvida. (...) Era preciso entender que ao demarcar terras se está no meio de um grande processo de mudança social induzida e que era preciso fazer isso direito, em diálogo com os índios, com pesquisas, com recursos para criar alternativas".
Além de haver cada vez mais índios por hectare de suas reservas, outro problema é que, durante um certo tempo, as terras em volta das reservas estavam desocupadas, de modo que os índios podiam aproveitar as terras vizinhas no caso de pressão maior sobre seus próprios territórios. Hoje essa possibilidade não existe mais, por causa do avanço da fronteira agrícola e do agronegócio.
Conclui Souza Lima: "Se for produzir uma legislação agora, será mais antiindígena do que nunca, porque o governo vai negociar apoio, negociando os índios. (...) Nada resolve o problema indígena senão os índios lutando para resolvê-lo".
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