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Arquivo - Terça-feira, 15 de fevereiro de 2005 |
O 60º aniversário do bombardeio de Dresden
CRIME DE GUERRA OU ATAQUE A UM ALVO LEGÍTIMO? |
Neste domingo, duas manifestações marcaram o 60º aniversário do bombardeio anglo-americano à cidade alemã de Dresden, um dos episódios mais sangrentos da Segunda Guerra Mundial. Na maior delas, milhares de pessoas portando rosas brancas reuniram-se à noite e acenderam velas em frente ao teatro Ópera Semper. Estiveram presentes o presidente e o primeiro-ministro alemães, respectivamente Ingolf Rossberg e Gerhard Schröder, além de representantes dos governos do Reino Unido, França e EUA. A outra manifestação, menor, foi de inciativa do Partido Democrático Nacional Alemão, organização neonazista com forte penetração política na Saxônia, Estado que tem Dresden como capital.
Na cerimônia oficial, foram lembrados os 35 mil mortos, mas num tom de reconciliação com britânicos e americanos. Os neonazistas foram no sentido oposto: denunciaram "o terror das bombas anglo-americanas". Holger Apfel, líder do Partido Democrático Nacional, que teve representantes eleitos para o Parlamento da Saxônia em outubro passado, disse que EUA e Reino Unido eram "gângsteres e assassinos em massa". Os neonazistas chamaram o episódio de "Holocausto das bombas", numa clara e disparatada referência ao Holocausto, como é conhecido o genocídio cometido contra os judeus pelo regime nazista e que, estima-se, tenha dizimado cerca de 6 milhões de pessoas.
Em Dresden os bombardeiros britânicos e americanos lançaram quase 4 mil toneladas de bombas em 13 e 14 de fevereiro de 1945, destruindo inteiramente a área central da cidade. O episódio provocou enorme impacto na época e foi denunciado como uma ação militar sem sentido e por alguns até como crime de guerra, já que a cidade -- a sétima maior da Alemanha em população e que não fora bombardeada até então -- não podia ser classificada como um alvo militar.
Na cerimônia de domingo passado, no entanto, o governo alemão apresentou uma versão diferente. "Os aliados não destruíram uma cidade inocente. Dresden era, em fevereiro de 1945, o maior centro da indústria de armamentos existente na Alemanha", disse o presidente Rossberg. Um artigo publicado na edição mais recente da revista The Economist vai na mesma linha e afirma que a versão de que o ataque foi um ato de terrorismo para quebrar o ânimo do povo alemão no final da guerra é fruto da propaganda: primeiro, a do governo nazista de então; depois, a do governo comunista, já que a cidade fica no território que pertencia à Alemanha Oriental.
À época do bombardeio Dresden, que antes da guerra tinha cerca de 600 mil habitantes, estava inchada pela presença de milhares de refugiados, que fugiam do avanço do Exército Vermelho soviético. Grande parte das bombas lançadas sobre a cidade foram incendiárias levavam componentes altamente inflamáveis, como magnésio, fósforo e napalm -- e provocaram o que ficou conhecido como "tempestade de fogo". Após a área bombardeada começar a arder em chamas, o ar acima dela tornava-se extremamente quente e ascendia rapidamente. Isso fazia com que o ar frio em torno rapidamente ocupasse o lugar do ar quente próximo ao solo, num movimento de tal força que literalmente sugava as pessoas para dentro das áreas em chamas.
Um indício de que o ataque a Dresden era desnecessário do ponto de vista militar é que a cidade estava prestes a ser tomada pelos soviéticos os defensores do ataque, no entanto, argumentam que ele ocorreu justamente para facilitar a tomada. Outro, é que dada a situação de falência das Forças Armadas alemãs na época, os bombardeiros aliados percorriam os céus do país praticamente impunes no caso particular de Dresden, não havia sequer defesa antiaérea. Assim, as centenas de aviões aliados que a sobrevoaram no ataque não encontraram nenhuma resistência. Evidentemente, esse fator aumentou o poder destrutivo do ataque.
O marechal-do-ar britânico Arthur Harris, o homem que ordenou o bombardeio, sentiu o impacto da controvérsia. "Sei que a destruição de uma cidade tão grande e esplêndida no último estágio da guerra foi considerada desnecessária mesmo por um bom número de pessoas que admitiram que nossos ataques anteriores foram tão plenamente justificados como qualquer outra operação de guerra", escreveu ele em sua autobiografia. E, na tentativa de dividir a responsabilidade com autoridades superiores, emendou: "direi somente que o ataque a Dresden foi na época considerado uma necessidade militar por gente muito mais importante do que eu".
Ele talvez estivesse apontando para o então primeiro-ministro britânico Winston Churchill que, na tentativa de livrar-se da mácula, acabou deixando pistas a respeito do real objetivo da ação. No final de março de 1945 ele enviou um memorando a Harris que dizia: "Parece-me que chegou o momento em que a questão de bombardear as cidades alemãs simplesmente para elevar o terror deve ser revista. Senão, iremos controlar uma terra totalmente arruinada. (...) Sinto a necessidade de concentração mais precisa sobre objetivos militares, tais como depósitos de petróleo e comunicações por trás da zona de batalha imediata, mais que meros atos de terror e de destruição gratuita".
Uma carta enviada ao jornal britânico The Guardian em fevereiro do ano passado também lança luz sobre os objetivos do bombardeio. Nela, David Pedlow fala de seu pai, que trabalhou como metereologista para a Real Força Aérea britânica na época. Segundo Pedlow, seu pai percebeu uma diferença importante nas instruções dadas às tripulações que bombardearam Dresden. Normalmente, elas recebiam indicações de alvos estratégicos que deveriam atingir, como pontes, fábricas, ferrovias etc. "Somente nas instruções para Dresden, disse-me meu pai, não foi dada às tripulações nenhum objetivo estratégico. Eles simplesmente disseram a eles qualquer lugar na área construída da cidade poderia servir".
O governo alemão que já reconheceu a responsabilidade de seu povo e pediu perdão pelo Holocausto parece buscar uma forma de reconciliação para não reacender antigos ódios que teriam como alvo seus atuais aliados britânicos e americanos. Mas sua tática desperta dúvidas, uma vez que tenta responsabilizar os próprios alemães pelo massacre de Dresden. Schröder chegou a dizer, para se contrapor aos neonazistas, que eles estavam tentando "reinterpretar a história" e que seu governo não iria permitir "que causa e efeito fossem revertidos", aparentemente argumentando que o bombardeio à cidade foi uma reação ao que fizeram os alemães e seria, assim, algo justificável.
Com isso, o chanceler pode estar deixando à extrema direita um campo aberto para explorar até porque, nem americanos nem britânicos reconhecem o ataque a Dresden como um erro e, portanto, não pediram desculpas pelo ocorrido. Pesquisas recentes mencionadas pela Folha de S. Paulo desta segunda-feira mostram que 30% dos jovens alemães consideram o ataque à cidade algo comparável ao Holocausto.
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