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Arquivo - Terça-feira, 01 de novembro de 2005 |
As negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC)
UMA VELHA PARCERIA EM PERIGO? |
Quando os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) anunciaram durante a 4ª Reunião Ministerial da entidade, em novembro de 2001, em Doha, Qatar, o início de uma nova rodada de negociações comerciais voltada a favorecer os mais pobres e por isso denominada Rodada do Desenvolvimento, ficou no ar a possibilidade de que fossem diminuídas as barreiras comerciais que dificultavam a competição entre os produtos agrícolas dos países desenvolvidos (EUA e União Européia) e os produzidos nos países em desenvolvimento. A expectativa era de que promessas que vinham desde as negociações da chamada Rodada Uruguai, de 1986-1994, finalmente se concretizassem.
Na reunião realizada no balneário de Cancún, no México, em setembro de 2003, que tinha como missão preparar as regras para que os objetivos da Rodada Doha (nome oficial da nova rodada de negociações) fossem atingidos, o resultado ficou longe do esperado. Como disse o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, antes mesmo do fim da conferência: O que aconteceu aqui foi um empate... conseguimos empatar em zero a zero. Desde o começo da reunião, na verdade meses antes dela, os 146 países da entidade se dividiram em dois grupos com interesses opostos: de um lado os EUA e a União Européia defendendo a abertura dos mercados de produtos manufaturados e serviços: do outro, um conjunto de países pobres e em desenvolvimento subdividios por sua vez em alguns sub-blocos - o G-22 (22 países em desenvolvimento, liderados por Brasil, China e Índia); a União Africana; o grupo ACP, de países da África, Caribe e Pacífico que têm relacões privilegiadas com a UE; e o grupo de 30 países com menor desenvolvimento relativo que fazem parte da OMC. O objetivo desse bloco era conseguir reduções substanciais nas tarifas de importação e nos subsídios aos produtores fixados pelos países ricos.
A reunião de Cancún fracassou porque o bloco EUA-UE condicionou suas concessões a pesadas contrapartidas em outras áreas: nos investimentos estrangeiros; nas regras de competição internacional como a aceitação de cortes internacionais para arbitrar disputas e assim evitar a justiça dos países em desenvolvimento; nas compras governamentais e outras. Os países em desenvolvimento decidiram então não negociar as contrapartidas antes do corte nos subsídios, o que estabeleceu um grande impasse. E esse impasse ainda persiste.
Um exemplo concreto da pouca disposição dos países ricos em fazer concessões é o caso do algodão. Pelo menos em teoria, essa polêmica foi resolvida pela OMC, ao decidir numa ação levantada pelo Brasil contra os americanos. A entidade considerou que os recursos concedidos pelos EUA a cerca de 25 mil famílias de agricultores do produto, num montante de cerca de US$ 4 bilhões, eram ilegais. Tomada em duas instâncias, a decisão apontou que os americanos deveriam: 1) eliminar até o dia 1º de julho de 2005 a política de subsídios ao programa de exportação, conhecido como Step 2; 2) e que toda política de apoio à produção de algodão dos EUA deve ser alterada até março de 2006, a fim de acabar com os efeitos nocivos causados ao Brasil. Apesar da sentença já ter sido proferida e do 1º prazo já ter se encerrado, o país ainda não cumpriu nenhuma das determinações. Resta saber quando, e se o fará.
Os EUA só deram a primeira sinalização de que poderiam modificar a política de subsídios, entre elas a do algodão, em recente reunião ministerial organizada por eles em Zurique (Suíça) e que contou com a presença de outros 15 países. Nesse encontro, o governo americano disse aceitar uma redução de 60% nos incentivos à economia agrícola que mais distorcem o comércio mundial, diminuindo essa ajuda de US$ 19,1 bilhões para US$ 7,6 bilhões. Robert Portman, chefe do USTr (espécie de ministério do Comércio Exterior americano), em artigo publicado no último dia 10 de outubro no Financial Times disse que a medida mostra o comprometimento do país em resolver as discussões da Rodada Doha. Portman diz porém que os EUA não poderão fazer nada sem a ajuda dos outros países. "Os EUA estão prontos para tomar decisões duras sobre agricultura, mas não podemos fazer isso sozinhos. Haverá necessidade de contribuições sérias e participação de todos os membros (da OMC)", disse.
Após a proposta americana se esperava que a UE apresentasse plano semelhante. Na semana passada veio a proposta: 46% de redução das tarifas médias de importação, abaixo da proposta de concessões do G-20 (antigo G-22), de corte médio de 54%. O pior é que a proposta européia ainda não é para valer: países europeus importantes (como a França) relutam em aceitá-la e ameaçam vetá-la em Hong Kong, por achar que a concessão é exagerada.
A primeira reação americana à proposta européia foi semelhante à do bloco dos pobres e em desenvolvimento: a concessão é insuficiente. Até a 6ª Reunião Ministerial da OMC, marcada para os dias 13 a 18 de dezembro, haverá novas rodadas de negociação. Os EUA e UE, velhos parceiros, chegarão a Hong Kong divididos? Seria uma grande surpresa.
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