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Arquivo - Sexta-feira, 07 de outubro de 2005 |
A disputa pelo controle da Internet
UMA NOVA CONJUNTURA |
A negociação sobre o futuro do controle da Internet terminou sem acordo, após duas semanas de debates em Genebra, na Suíça, com a presença de 191 países. Os Estados Unidos não cederam a gestão da rede mundial de computadores, hoje em suas mãos, ao controle das Nações Unidas, proposta feita pela União Européia (UE). Os americanos disseram, em uma reunião pré-cúpula, que resistiriam aos planos europeus, que queriam que o controle ficasse a cargo de um organismo internacional mais representativo. Também não houve acordo sobre outras questões de governança da Internet, como a melhor maneira de combater os spams (e-mails indesejados) e o cibercrime.
No mês passado, o Grupo de Trabalho da ONU sobre a Administração da Internet (WGIG, da sigla em inglês) publicou suas propostas para reformar a maneira como a Internet é administrada. Os EUA argumentam que as propostas das Nações Unidas poderiam levar à mudança do controle da Internet do setor privado para um controle estatal, imposto de cima para baixo.
Para um dos maiores especialistas no assunto, George Sadowsky, diretor da entidade Global Internet Policy Initiative, o presidente dos EUA, George W. Bush, não quer ficar marcado como a pessoa que entregou o controle da Web. O governo americano já declarou, em relatório, que não está de acordo com a criação de um fórum internacional para administrar a rede. "A publicação desses comentários foi um ataque preventivo, já que sabiam que a ONU estava por publicar sua avaliação. O recado que estão enviando ao mundo é que a política americana sobre o assunto não mudará, seja qual for a decisão tomada pela ONU", afirmou Sadowsky.
No entanto, muitos países pedem aos americanos para abrirem mão do controle sobre a rede, ou ao menos para chegarem a um acordo a fim de garantir que a Internet seja administrada de maneira mais igualitária. Muitos fora dos EUA argumentam que nenhum país deveria ter autoridade sobre algo que tem um papel tão importante na economia global.
O Brasil e outros países emergentes insistem na democratização e internacionalização da administração da Internet há tempos, o que implicaria na criação de um fórum para gerir a rede. A novidade da reunião é que desta vez a União Européia também se uniu a esses países e pediu a formação de um grupo intergovernamental para a gestão da Internet.
Atualmente, quem comanda a Web e seus endereços são os EUA, através da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann), uma organização privada sem fins lucrativos, responsável pela distribuição de números de Protocolo de Internet (IP), pelo controle do sistema de nomes de domínios de primeiro nível com códigos genéricos (gTLD) e de países (ccTLD) e com funções de administração central da rede de servidores. Esses serviços eram originalmente prestados mediante contrato com o governo dos EUA, pela Internet Assigned Numbers Authority (IANA) e outras entidades. A Icann, que cumpre hoje a função da IANA, foi criada em 1998 e está sediada na Califórnia. A entidade possui um contrato com o Departamento de Comércio do governo americano, que foi quem, ao lado do Pentágono, primeiro desenvolveu o sistema.
Os primeiros registros de interações sociais que poderiam ser realizadas através de redes foram uma série de memorandos escritos por J. R. C. Licklider, do Massachusets Institute of Technology (MIT), no início da década de 1960, discutindo o conceito da "Rede Galáxica". Ele previa vários computadores interconectados globalmente, pelo meio dos quais todos poderiam acessar dados e programas de qualquer local rapidamente. Em essência, o conceito foi muito parecido com a Internet de hoje. Em 1967, durante a corrida espacial entre os EUA e a ex-União Soviética, um plano para uma rede de chaveamento de pacotes é apresentado no Simpósio sobre os Princípios dos Sistemas Operacionais da ACM (Association for Computing Machinery), nos EUA. Dois anos depois, o Departamentto de Defesa americano encomenda a ARPANET (Agência para Projetos e Pesquisas Avançadas em Rede, da sigla em inglês) para pesquisas em redes. Em 1973, esta estabelece conexões com a Inglaterra e a Noruega até 1990, quando deixa de existir. Dois anos depois, a World Wide Web (WWW) é lançada pelo CERN (Conselho Europeu para a Pesquisa Nuclear, da sigla em francês) como uma iniciativa para melhorar a comunicação entre trabalhadores da comunidade científica, que levou ao desenvolvimento do protocolo HTTP e da linguagem HTML.
Os americanos alegam que a Internet atualmente já é descentralizada, existindo cerca de 9 mil provedores em todo o mundo, além de 13 serviços-raízes. Porém, desses 13, 10 estão nos EUA. Os demais estão localizados na Inglaterra, na Suécia e no Japão, sem contar que o servidor que está em Maryland (EUA) armazena os dados dos demais.
Analistas estimam que a resistência dos EUA em dividir o controle da Internet pode provocar no longo prazo a criação de redes rivais para quebrar o monopólio da Icann. Embora esta deva se separar formalmente do governo em setembro de 2006, os EUA não aceitam dividir o exclusivo controle do sistema de endereços da Web, que permite que computadores do mundo inteiro se comuniquem entre si. Quem controla o root zone file na prática controla o acesso aos sites da Internet. Vários países reclamam que os EUA têm o poder de cortá-los da rede, bloqueando o sufixo do país (por exemplo: ".br").
A União Internacional de Telecomunicações (UIT), órgão das Nações Unidas, diz estar pronta para servir como mediador internacional para tratar dessas questões, mas os EUA rejeitam um órgão intergovernamental alegando que isso poderia prejudicar a segurança e a estabilidade da rede.
A decisão européia de apoiar o resto do mundo na proposta de que se crie um organismo internacional para governar a Internet claramente apanhou os americanos desprevenidos, deixando-os totalmente isolados nas negociações para encontrar uma nova forma de regulamentar o tráfego digital no século 21.
Segundo David Gross, delegado do Departamento de Estado dos EUA encarregado da política de comunicações internacionais, é uma mudança muito chocante e profunda na posição européia, pois a proposta parece representar uma mudança histórica na abordagem da Internet, de algo baseado na liderança do setor privado para um controle governamental e vertical.
Delegações de diversos países esperavam chegar a um consenso para um esboço de documento até o último dia 30, após cerca de dois anos de debates. A inquietação política com a abordagem americana, simbolizada pela oposição à guerra no Iraque, transbordou para essas discussões técnicas, segundo os delegados. A UE e os países em desenvolvimento, eles acrescentaram, quiseram enviar um sinal para os EUA de que não podem conduzir as coisas sozinhos.
Essa oposição ao domínio americano foi ilustrada por uma declaração da delegação brasileira na cúpula: "Sobre a governança da Internet, três palavras tendem a vir à mente: falta de legitimidade. Em nosso mundo digital, somente um país decide por todos. Na avaliação do Brasil e da própria ONU, a gestão da rede deve ser realizada em um fórum único, responsável pela elaboração de políticas públicas sobre a Internet. Para Marcelo Lopes, secretário de Política de Informática do Ministério de Ciência e Tecnologia, o fórum internacional deveria seguir o modelo do Comitê Gestor da Internet no Brasil, com a participação dos governos, empresas e sociedade civil.
Para o Brasil, outros governos devem ser ouvidos politicamente nos debates. O que não pode ocorrer é a permanência do atual sistema, que eleva os preços de conexão em países emergentes. Pelo atual modelo, as decisões sobre a cobrança de taxas pela Icann, por exemplo, não são legítimas.
Segundo a proposta da UE, "o papel dos governos no novo modelo de cooperação deveria se concentrar principalmente em questões de princípios de políticas públicas, excluindo qualquer envolvimento nas operações cotidianas. O novo modelo "não deveria substituir os mecanismos ou instituições existentes". Uma proposta vaga, mas que deixou aberta a possibilidade, a que os EUA se opôem radicalmente, de que a própria ONU pudesse ter uma função administrativa no futuro.
Esse pedidos foram criticados por Washington, bem como aquele feito pelo Irã, de que um órgão da ONU governe a Web. O governo Bush disse em juhlo deste ano que os EUA "manterão seu papel histórico de autorizar mudanças ou alterações nos arquivos da zona raiz". Ao fazê-lo, o governo "pretende preservar a segurança e a estabilidade" dos alicerces técnicos da rede. Afirmam que um sistema de endereços único é o que torna a Internet poderosa e que medidas para criar diversas redes não são do interesse de ninguém.
Com o fracasso das negociações, uma nova fase de debates ocorrerá em novembro, às vésperas da Cúpula da Sociedade da Informação, que ocorrerá na Tunísia, a fim de tentar fechar um acordo sobre essa questão. Até o momento, 40 chefes de Estado confirmaram participação. O Itamaraty sugeriu ao Palácio do Planalto a ida do presidente Lula ao encontro, mas o gabinete ainda não se manifestou.
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